LINGUA PORTUGUESA

Língua Portuguesa
O texto e sua articulação
Organizadores
Maria Lúcia V. de Oliveira Andrade
Neide Luzia de Rezende
Valdir Heitor Barzotto
Elaboradora
4
Maria Lúcia V. de Oliveira Andrade
módulo
Nome do Aluno


GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
Governador: Geraldo Alckmin
Secretaria de Estado da Educação de São Paulo
Secretário: Gabriel Benedito Issac Chalita
Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas – CENP
Coordenadora: Sonia Maria Silva
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Reitor: Adolpho José Melfi
Pró-Reitora de Graduação
Sonia Teresinha de Sousa Penin
Pró-Reitor de Cultura e Extensão Universitária
Adilson Avansi Abreu
FUNDAÇÃO DE APOIO À FACULDADE DE EDUCAÇÃO – FAFE
Presidente do Conselho Curador: Selma Garrido Pimenta
Diretoria Administrativa: Anna Maria Pessoa de Carvalho
Diretoria Financeira: Sílvia Luzia Frateschi Trivelato

PROGRAMA PRÓ-UNIVERSITÁRIO
Coordenadora Geral: Eleny Mitrulis
Vice-coordenadora Geral: Sonia Maria Vanzella Castellar
Coordenadora Pedagógica: Helena Coharik Chamlian

Coordenadores de Área
Biologia:

Paulo Takeo Sano – Lyria Mori
Física:
Maurício Pietrocola – Nobuko Ueta
Geografia:
Sonia Maria Vanzella Castellar – Elvio Rodrigues Martins
História:
Kátia Maria Abud – Raquel Glezer
Língua Inglesa:
Anna Maria Carmagnani – Walkyria Monte Mór
Língua Portuguesa:
Maria Lúcia Victório de Oliveira Andrade – Neide Luzia de Rezende – Valdir Heitor Barzotto
Matemática:
Antônio Carlos Brolezzi – Elvia Mureb Sallum – Martha S. Monteiro
Química:
Maria Eunice Ribeiro Marcondes – Marcelo Giordan
Produção Editorial
Dreampix Comunicação
Revisão, diagramação, capa e projeto gráfico: André Jun Nishizawa, Eduardo Higa Sokei, José Muniz Jr.

Mariana Pimenta Coan, Mario Guimarães Mucida e Wagner Shimabukuro

Cartas ao
Aluno

Carta da

Pró-Reitoria de Graduação

Caro aluno,
Com muita alegria, a Universidade de São Paulo, por meio de seus estudantes
e de seus professores, participa dessa parceria com a Secretaria de Estado da
Educação, oferecendo a você o que temos de melhor: conhecimento.
Conhecimento é a chave para o desenvolvimento das pessoas e das nações
e freqüentar o ensino superior é a maneira mais efetiva de ampliar conhecimentos
de forma sistemática e de se preparar para uma profissão.
Ingressar numa universidade de reconhecida qualidade e gratuita é o desejo
de tantos jovens como você. Por isso, a USP, assim como outras universidades
públicas, possui um vestibular tão concorrido. Para enfrentar tal concorrência,
muitos alunos do ensino médio, inclusive os que estudam em escolas particulares
de reconhecida qualidade, fazem cursinhos preparatórios, em geral de alto
custo e inacessíveis à maioria dos alunos da escola pública.
O presente programa oferece a você a possibilidade de se preparar para enfrentar
com melhores condições um vestibular, retomando aspectos fundamentais da
programação do ensino médio. Espera-se, também, que essa revisão, orientada
por objetivos educacionais, o auxilie a perceber com clareza o desenvolvimento
pessoal que adquiriu ao longo da educação básica. Tomar posse da própria
formação certamente lhe dará a segurança necessária para enfrentar qualquer
situação de vida e de trabalho.
Enfrente com garra esse programa. Os próximos meses, até os exames em
novembro, exigirão de sua parte muita disciplina e estudo diário. Os monitores
e os professores da USP, em parceria com os professores de sua escola, estão
se dedicando muito para ajudá-lo nessa travessia.
Em nome da comunidade USP, desejo-lhe, meu caro aluno, disposição e vigor
para o presente desafio.
Sonia Teresinha de Sousa Penin.
Pró-Reitora de Graduação.


Carta da

Secretaria de Estado da Educação

Caro aluno,
Com a efetiva expansão e a crescente melhoria do ensino médio estadual,
os desafios vivenciados por todos os jovens matriculados nas escolas da rede
estadual de ensino, no momento de ingressar nas universidades públicas, vêm se
inserindo, ao longo dos anos, num contexto aparentemente contraditório.
Se de um lado nota-se um gradual aumento no percentual dos jovens aprovados
nos exames vestibulares da Fuvest — o que, indubitavelmente, comprova a
qualidade dos estudos públicos oferecidos —, de outro mostra quão desiguais
têm sido as condições apresentadas pelos alunos ao concluírem a última etapa
da educação básica.
Diante dessa realidade, e com o objetivo de assegurar a esses alunos o patamar
de formação básica necessário ao restabelecimento da igualdade de direitos
demandados pela continuidade de estudos em nível superior, a Secretaria de
Estado da Educação assumiu, em 2004, o compromisso de abrir, no programa
denominado Pró-Universitário, 5.000 vagas para alunos matriculados na terceira
série do curso regular do ensino médio. É uma proposta de trabalho que busca
ampliar e diversificar as oportunidades de aprendizagem de novos conhecimentos
e conteúdos de modo a instrumentalizar o aluno para uma efetiva inserção no
mundo acadêmico. Tal proposta pedagógica buscará contemplar as diferentes
disciplinas do currículo do ensino médio mediante material didático especialmente
construído para esse fim.
O Programa não só quer encorajar você, aluno da escola pública, a participar
do exame seletivo de ingresso no ensino público superior, como espera se
constituir em um efetivo canal interativo entre a escola de ensino médio e
a universidade. Num processo de contribuições mútuas, rico e diversificado
em subsídios, essa parceria poderá, no caso da estadual paulista, contribuir
para o aperfeiçoamento de seu currículo, organização e formação de docentes.
Prof. Sonia Maria Silva
Coordenadora da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas

Apresentação
da área
Apresentação
da área
Os módulos de Língua Portuguesa deste curso constituem uma forma de levar
você, aluno de ensino médio, a refletir sobre a sua língua materna, oferecendo subsídios
para melhoria e aprimoramento de seus conhecimentos lingüísticos.
Compusemos o material numa progressão que leva em conta, em primeiro lugar,
o seu processo de amadurecimento. Assim, partindo de realidades vivencialmente
próximas, o grau de abstração se intensifica dentro da cada unidade e de um módulo
para outro.
Estruturamos os módulos em torno de uma posição fundamental: os tópicos gramaticais
e textuais constantes do currículo do ensino médio só assumem seu significado
pleno quando focalizados a partir da linguagem, entendida como faculdade
inerente ao ser humano, pela qual ele interage com seus semelhantes. Por essa razão
não fizemos uma separação rígida de assuntos, o que deturparia o caráter essencialmente
flexível dos problemas de linguagem.
Dentro desta perspectiva, foram organizados os quatro módulos de Língua Portuguesa
e seus respectivos conteúdos: variabilidade da linguagem e noção de norma,
morfossintaxe das classes de palavras, processos de organização da frase, organização
e articulação do texto, o problema da significação e os recursos de estilo.
Preocupamo-nos com que as aulas levem você a refletir criticamente sobre sua
vivência lingüística e, em contato com as normas gramaticais vigentes, habilitem-no a
interpretar e a produzir textos representativos das mais diversas situações interacionais.
Com o material que preparamos, você terá a oportunidade de rever os pontos
mais importantes sobre a Língua Portuguesa e fazer atividades para avaliar seu progresso
e possíveis dificuldades.
Procure ver essa fase de estudos como mais uma oportunidade de aprendizagem
sobre o mundo, a sociedade em que vive e sobre você mesmo. Se você entrar nela
com esse espírito, seguramente sairá dela enriquecido – não apenas de conhecimentos
para ingressar na Universidade, mas também de informações e pontos de vista
novos que servirão em toda a sua vida. Daí, sim, você poderá olhar o mundo com
confiança. Você pode não se transformar em um cientista, mas será sem dúvida uma
pessoa que tem conhecimentos e informações e é capaz de usá-los da melhor maneira
possível. Afinal, vale a pena investir em você mesmo.
Maria Lúcia da Cunha Victório de Oliveira Andrade
Coordenadora de Língua Portuguesa


Apresentação
do módulo
Apresentação
do módulo
Neste módulo, serão discutidas questões relativas à articulação do texto.
Trataremos das estratégias lingüísticas para a construção do sentido textual,
dos recursos expressivos, da citação, dos níveis de significação do texto e da
intertextualidade.
Em cada unidade, após a explicação referente ao conteúdo da disciplina,
apresentamos atividades para que você possa praticar o que aprendeu e, em
seguida, indicamos sugestões de leitura e atividades complementares.
Maria Lúcia da Cunha Victório de Oliveira Andrade
Coordenadora de Língua Portuguesa


Unidade 1
Estratégias de articulação do texto:
coesão lexical e gramatical
Unidade 1
Estratégias de articulação do texto:
coesão lexical e gramatical
Num texto, certos elementos comparam-
se aos fios que costuram entre si as partes de
uma vestimenta. Cortados esses fios, o que
sobra são simples pedaços de pano.
(Fiorin e Savioli, 1996: 367).
Ao analisarmos essa afirmação dos autores, verificamos que um texto
bem construído é aquele que permite ao leitor compreender o que está sendo
dito, sem que este se perca entre os enunciados que o constituem, nem perca
a noção de conjunto. É possível, portanto, perceber a conexão existente entre
os vários segmentos textuais e compreender que todos estão interligados, criando
um todo coeso e coerente.
Para exemplificar o que foi dito, observemos o texto a seguir.
(1)
Para os humanistas renascentistas e os filósofos iluministas do século
XVIII, a Idade Média foi um período soturno, coberto pela longa
noite da superstição, governado pelo obscurantismo de senhores e párocos,
marcado pelo fanatismo religioso, povoado por camponeses famintos
e vulneráveis aos acidentes da vida. Enfim, a Idade das Trevas.
Ao longo do século XIX e até a segunda metade do século passado,
essa visão negativa da Idade Média passou de geração em geração,
abandonada pelos livros didáticos. Até que historiadores do século XX,
os medievalistas na vanguarda, começaram a desmontar esse mito
historiográfico.
Estudos recentes revelaram as profundas transformações ocorridas
nos séculos XIV e XV. Os casamentos freqüentemente eram arranjados
pelos pais, mas o rapto por mútuo consentimento era o expediente empregado
pelas moças para escolher seus maridos. Os bordéis acolhiam
alegremente os celibatários, com as bênçãos da municipalidade, preocupada
em preservar a virtude das donzelas. Estas tomavam parte nas
festas, em que o flerte era a atividade principal. A homossexualidade
era tolerada, desde que respeitasse conveniente discrição. Os desvalidos
contavam com um meio urbano solidário, que engendrou diversos
mecanismos de proteção social. Já no século XII, uma sociedade desejosa
de saber criou a universidade e o poder estudantil, e estimulou o
uso da escrita. Logo, a escola se tornou estratagema de ascensão social,
e jovens de ambos os sexos, mulheres em menor número, buscaram nos
Organizadores
Maria Lúcia V. de
Oliveira Andrade
Neide Luzia de
Rezende
Valdir Heitor
Barzotto
Elaboradora
Maria Lúcia V. de
Oliveira Andrade

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livros um lugar na sociedade. Definitivamente, foram dissipadas as trevas
que deformaram a nossa visão de Idade Média.
(Novas luzes revelam outra Idade Média. In: História Viva. São Paulo:
Editorial Duetto, ano I, nº 5, março de 2004, p; 28).
Como você pode verificar, os enunciados desse texto não estão aglomerados
caoticamente, mas estritamente interligados, permitindo que se perceba a
conexão entre as partes. A essa conexão interna entre os vários segmentos
presentes no texto dá-se o nome de coesão. Portanto, um texto coeso é aquele
que apresenta enunciados “organicamente articulados entre si” (Fiorin e Savioli,
1990: 271), ou seja, quando há concatenação entre as idéias apresentadas por
meio da articulação das palavras e frases.
A coesão de um texto não é fruto do acaso. Na verdade, é o resultado das
relações de sentido estabelecidas entre os enunciados. Essas relações são manifestadas
por determinadas categorias de palavras, as quais são denominadas
elementos de conexão ou conectivos. A função destes elementos é a de colocar
em evidência as várias relações de sentido que existem entre os enunciados.
Voltando ao texto (1), podemos observar a função de alguns desses elementos
de coesão.
No primeiro parágrafo, após encadear (por meio do uso de adjetivos, particípios
e pontuação) uma série de caracterizações feitas pelos humanistas
renascentistas e os filósofos iluministas sobre a época medieval (“foi um período
soturno, coberto pela longa noite da superstição, governado pelo obscurantismo
de senhores e párocos, marcado pelo fanatismo religioso, povoado
por camponeses famintos e vulneráveis aos acidentes da vida”), o autor do
texto sintetiza a idéia básica que deseja transmitir ao seu leitor. Para isso, faz
uso do advérbio enfim indicando que passará a introduzir o último enunciado
desse parágrafo que define o período histórico analisado sob tal ótica: “Enfim,
a Idade das Trevas”.
Já no segundo parágrafo, o autor precisa apresentar as idéias relativas à
perspectiva dos historiadores do século XX que se contrapõem àquela dos
estudiosos mencionados anteriormente. Contudo, antes de anunciar essas novas
idéias, ele retoma o ponto de vista desenvolvido no primeiro parágrafo
por meio de “essa visão negativa da Idade Média passou de geração em geração...”.
Aqui a conexão é estabelecida por meio da expressão nominal (“visão
negativa”) que define como os estudiosos anteriores à segunda metade do
século XX viam a Idade Média. Como essa explicação já havia sido feita, o
autor faz uso do pronome demonstrativo essa que, por ser um pronome
anafórico – isto é, serve para fazer uma retomada –, exige a atenção do leitor
para buscar o sentido no elemento antecedente (nesta ocorrência, diz respeito
a todo o primeiro parágrafo).
Ainda neste parágrafo, temos o uso da preposição até, sendo empregada
para estabelecer uma relação semântica de tempo. Vejam-se os trechos:
a.
“Ao longo do século XIX e até a segunda metade do século passado....”,
em que a preposição até estabelece uma relação semântica de momento
no tempo a que se chega uma ação/processo/estado, e o termo século
passado expressa o limite final temporal.
b.
“Até que historiadores do século XX (...) começaram a desmontar esse
mito historiográfico”, em que a preposição até+que+oração com verbo
finito indica limite temporal.
..


...... .. - . ..... . ... ...........
No último parágrafo, encontramos, por exemplo, um trecho em que o
autor fala a respeito dos casamentos na Idade Média: “Os casamentos freqüentemente
eram arranjados pelos pais”; no segmento seguinte, expressa uma
informação contrária à primeira e, para introduzir essa segunda oração, precisa
empregar um elemento de coesão que estabeleça a relação pretendida, no
caso o conectivo mas (conjunção coordenativa adversativa).
Continuando a observar os recursos coesivos empregados na construção
deste parágrafo, encontramos outros importantes, como:
a.
pronome demonstrativo estas: no trecho “Estas tomavam parte nas festas”,
em que o pronome retoma o termo imediatamente anterior (“...
donzelas”), por meio de uma anáfora, isto é, para preencher a forma pronominal
que é esvaziada de sentido, o leitor precisa voltar ao segmento
anterior e estabelecer a relação entre os dois segmentos.
b.
pronome relativo em que: no trecho “nas festas... em que o flerte era a
atividade principal”, serve para retomar o termo nas festas, introduzindo a
oração subordinada adjetiva.
c.
locução conjuntiva desde que: no trecho “A homossexualidade era tolerada,
desde que respeitasse conveniente discrição”, a locução introduz uma
oração que implica condição para que a oração anterior se realize. A oração
subordinada é denominada pela gramática normativa de oração subordinada
adverbial condicional.
d.
advérbio definitivamente: ocorre no segmento final “Definitivamente, foram
dissipadas as trevas que deformaram a nossa visão de Idade Média”.
Nesse trecho, o advérbio que é classificado pela gramática normativa como
advérbio de modo (adjetivo definitivo + sufixo -mente) serve para apresentar
a avaliação final do autor a respeito da Idade Média, exercendo a função
de um advérbio modalizador que introduz a conclusão do texto; ou seja, o
conteúdo do que se afirma por meio desse advérbio é dado como um fato
partilhado entre autor e leitor, e que é reforçado pelo advérbio.
Por meio dos elementos levantados no texto (1), você pôde ver que são
várias as palavras que, num texto, assumem a função de conectivo ou elemento
de coesão:

as preposições: a, até, de, para, com , por etc;
• as conjunções: e, mas, ou, embora, que, para que, quando etc;
• os advérbios: aqui, aí, lá, agora, já, enfim, logo etc;
• os pronomes: ele, ela, seu sua, este, esta, isto, esse, essa, isso, aquele,
que, o qual etc.
Há, portanto, dois tipos básicos de coesão:
1- A retomada de termos, expressões ou frases já ditas ou a sua antecipação:
a.
por uma palavra gramatical (pronomes, verbos ser e fazer – Paulo estuda
e José faz o mesmo –, numerais, advérbios);
b.
retomada por palavra lexical (substantivos, verbos, adjetivos).
..


...... ..........
2- O encadeamento de segmentos do texto:
a.
conexão: é realizada por conectores ou operadores discursivos (também
denominados conectivos ou conjunções pela gramática normativa), que
devem ser vistos como elementos que trazem para o texto uma orientação
argumentativa, e não como meros elementos relacionais. São exemplos
de conectores: e, mas, porém, embora, portanto, já que, pois etc. Desse
modo, este item engloba muitos outros termos que fazem parte de vocábulos
que, segundo a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB), não se
enquadram nas dez classes gramaticais. Bechara, por exemplo, denomina
essas palavras de: denotadores de inclusão (até, mesmo, também); de exclusão
(só, apenas, senão); de retificação (aliás, ou melhor); de situação
(então, afinal). Estas são palavras ou expressões responsáveis pela concatenação
ou encadeamento de relações entre os segmentos textuais.
b.
justaposição: faz-se pelo estabelecimento da seqüenciação com ou sem o
uso de conectores. Quando o texto se organiza sem seqüenciadores, cabe
ao leitor reconstruir, com base na seqüência apresentada, os operadores
discursivos que não estão presentes na superfície textual. Nesse caso, o lugar
do conector é marcado, na escrita, por sinais de pontuação (vírgula,
ponto e vírgula, dois pontos, ponto) e, na fala, pelas pausas. A justaposição
com conectores estabelece um encadeamento coesivo entre porções maiores
ou menores da superfície textual e pode ser marcada por: seqüência
temporal (dois meses, uma semana, ontem); ordenação espacial (à esquerda,
atrás, abaixo); especificação da ordem dos assuntos (primeiro, a seguir,
finalmente); introdução de um dado tema ou para mudar de assunto (por
falar nisso, a propósito, mas voltando ao assunto, fazendo um parêntese).
O uso apropriado desses elementos de coesão garante unidade ao texto e
contribui, de modo considerável, para que as idéias sejam expressas com clareza
e adequação.
Vejamos o texto (2), publicado no jornal Folha de S. Paulo, em 27 de
agosto de 2004 – caderno A, p.6:
(2)
Ele sempre nos leva a lugares novos, interessantes. Ele vai e apresenta onde vamos
viver.Defende e briga por nós. Consegue o melhor para a gente. Ele nos providencia
uma moradia. Ele se preocupa com a gente. Depois de um tempo, aparece com uma
proposta incrível. Uma casa na praia ou no campo. Ele se importa com o lugar onde
vamos passar as férias com a nossa família. Ele não tem obrigação de pensar nisso, mas,
mesmo assim, pensa. Nossa satisfação, nosso sorriso no rosto de estar bem abrigado é
a sua alegria. Ele vive pra isso. Até quando o assunto é trabalho, ele está lá para nos
orientar.“Aqui sua empresa vai decolar”, diz orgulhoso, do alto de toda a sua experiência.
Ele sabe das coisas. Ele sabe que nós precisamos dele. E ainda bem que ele sempre
está lá, à nossa disposição.
Uma homenagem do Grupo Cyrela ao Dia do Consultor Imobiliário
Av.Brigadeiro Faria Lima, 3400 – 10o andar
Itaim Bibi SP
www.cyrela.com.br
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Ao iniciar a leitura, podemos estranhar que o texto comece com um pronome
ele que só vai ser preenchido se chegarmos ao final. O uso dessa estratégia
coesiva de antecipação, denominada catáfora, indica que devemos procurar
nos elementos que se seguem onde está o sentido textual (ele = consultor
imobiliário, que somente será percebido se o leitor observar os elementos
contextualizadores da propaganda, ou seja, os elementos que ancoram o texto:
“título”, quem produziu, onde foi publicado, data). Essa estratégia cria
certa curiosidade e expectativa, fazendo com que o leitor avance e busque o
sentido. Antes de chegar a preencher o sentido do pronome ele, o leitor pode
constatar que o enunciador usa repetições do item lexical (ele) ou em outros
momentos usa o recurso da elipse (a forma verbal em 3a pessoa sem uso do
pronome explícito).
Atividades
1. Releia a propaganda acima e levante outros elementos coesivos estudados
nesta unidade, além da repetição do pronome ele e de sua elipse.
2. Analise, nos textos colocados a seguir, os processos coesivos de construção
do referente (atente para as escolhas lexicais e sintáticas) e explique como a
coerência (organização de sentido) é construída. Observe também a pontuação
de cada um dos textos e comente.
Texto A
Quadrilha
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi pra os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.

(Andrade, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 2002, p. 26)

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...... ..........
Texto B
Cidadezinha qualquer
Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.

Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham...

Eta vida besta, meu Deus.
(Andrade, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 2002, p. 23)
Texto C
Relatório ao governador
(texto redigido pelo então prefeito de Palmeira dos Índios – Graciliano
Ramos – no estado de Alagoas, em 10/11/1929)
O principal (...) foi estabelecer alguma ordem na administração. Havia
em Palmeira dos Índios inúmeros prefeitos: os cobradores de impostos,
o Comandante do Destacamento, os soldados, outros que desejassem
administrar. Cada pedaço do Município tinha a sua administração
particular, com Prefeitos coronéis e Prefeitos inspetores de quarteirão.
Os fiscais, esses resolviam questões de polícia e advogavam. Para
que semelhante anomalia desaparecesse, lutei com tenacidade e encontrei
obstáculos dentro da Prefeitura e fora dela – dentro, uma resistência
mole, suave, de algodão em rama; fora, uma campanha sorna, oblíqua,
carregada de bílis. Pensavam uns que tudo ia bem nas mãos do Nosso
Senhor, que administrava melhor do que todos nós; outros me davam
três meses para levar um tiro. Dos funcionários que encontrei em janeiro
passado restam poucos. Saíram os que faziam política e os que não
faziam coisa nenhuma. Os atuais não se metem onde não são necessários,
cumprem as suas obrigações e, sobretudo, não se enganam nas
contas. Devo muito a eles. Não sei se a administração do Município é
boa ou ruim. Talvez pudesse ser pior. (...)
Cuidei bastante da limpeza pública. As ruas estão varridas, retirei da
cidade o lixo acumulado pelas gerações que por aqui passaram; incinerei
monturos imensos, que a Prefeitura não tinha recursos suficientes
para remover. Houve lamúrias e reclamações por se haver mexido no
cisco preciosamente guardado nos fundos dos quintais; lamúrias, reclamações,
ameaças, guinchos, berros e coices dos fazendeiros que viram
bichos nas praças. Durante meses mataram-me o bicho do ouvido com
reclamações de toda a ordem contra o abandono em que se deixava a
melhor entrada para a cidade. Chegaram lá pedreiros – outras reclamações
surgiram, porque as obras irão custar um horror de contos de réis,
dizem. Custarão alguns, provavelmente. Não tanto quanto as pirâmides
do Egito, contudo. O que a Prefeitura arrecada basta para que nos não
resignemos às modestas tarefas de varrer as ruas e matar cachorros. (...)
..


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Procurei sempre os caminhos mais curtos. Nas estradas que se abriram
só há curvas onde as retas foram inteiramente impossíveis. Evitei
emaranhar-me em teias de aranha. Certos indivíduos, não sei por que,
imaginam que devem ser consultados; outros que se julgam autoridade
bastante para dizer aos contribuintes que não paguem impostos. Não
me entendi com esses.
Há quem ache tudo ruim, e ria constrangidamente, e escreva cartas
anônimas, e adoeça, e se morda por não ver a infalível maroteirazinha,
a abençoada canalhice, preciosa para quem a pratica, mais preciosa ainda
para os que dela se servem como assunto invariável; há quem não
compreenda que um ato administrativo seja isento de lucro pessoal; há
até quem pretenda embaraçar-me em coisa tão simples como mandar
quebrar as pedras dos caminhos. Fechei os ouvidos, deixei gritarem,
arrecadei 1:325$500 de multas.
Não favoreci ninguém. Devo ter cometido numerosos disparates.
Todos os meus erros, porém, foram da inteligência, que é fraca.
Perdi vários amigos, ou indivíduos que possam ter semelhante nome.
Não me fizeram falta.
Há descontentamento. Se a minha estada na Prefeitura por estes dois
anos dependesse de um plebiscito, talvez eu não obtivesse dez votos.
(“Um certo prefeito de Alagoas”, matéria publicada na revista História
viva, março de 2004, p. 88-94, por Ruy Tapioca).
Texto D
De unhas pintadas, mas muito machos

Eles usam cremes para o rosto e corpo, praticam ginástica, cuidam
do cabelo, fazem as unhas, depilam as sobrancelhas, estão
sempre vestindo roupas da moda (e de grife) e – acredite – não
são gays. Metrossexual foi o termo criado pelo jornalista inglês
Mark Simpson para classificar o homem heterossexual que tem
dinheiro, vive na ou próximo da metrópole e que se preocupa
com a aparência.
O escolhido para simbolizar esse novo homem, que continua gos

tando de mulheres, mas não dispensa uma tarde no cabeleireiro,
foi o capitão da seleção inglesa de futebol David Beckham – cujos atributos físicos foram
(justamente) homenageados em um vídeo, exibido em uma galeria de arte de Londres,
denominado ‘David’,referência à escultura de Michelangelo sobre a perfeição masculina.
Para quem acha que homem vaidoso não é macho, Miriam Goldemberg, antropóloga da
UFRJ, explica que antes da Revolução Francesa, os homens se enfeitavam tanto ou mais
do que as mulheres. Depois foram proibidos de ter um tipo de vaidade associada à
aparência. Sinal dos tempos, agora quanto mais arrumado, melhor.
(Texto retirado da Revista Galileu, junho de 2004, nº.155 – também disponível no site
www.galileu.globo.com)

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3. Leia a declaração de Giorgio Armani (estilista italiano de 70 anos, dono da
grife que leva seu nome, com 250 lojas espalhadas pelo mundo, incluindo
quatro no Brasil) dada à jornalista Bel Moherdaui, em entrevista à Veja e
publicada em 6 de outubro de 2004, nas páginas amarelas. A seguir, comente
a respeito do processo de articulação textual; ou seja, quais estratégias de
coesão foram empregadas? Levante cada uma delas e explique.
Pergunta feita pela Veja – Ultimamente o senhor tem trabalhado bastante
com esportistas. Veste o time inglês de futebol, agora também a
seleção italiana de basquete e chamou o brasileiro Kaká para estrelar
uma de suas campanhas. Por quê?
Armani – O esporte, como a música, atrai muitos jovens. Não tem fronteiras,
não tem diferenças. E esse tipo de público cosmopolita é meu
público-alvo. Além disso, tem a vantagem de que, em geral, os esportistas
são muito bonitos. São quase modelos e, ao mesmo tempo, são ídolos.
Se vestem Armani, melhor ainda. (p. 15).
RITMO E SONORIDADE
Outra estratégia de coesão que devemos estudar são os recursos expressivos:
ritmo e sonoridade. Segundo a professora Leonor Lopes Fávero, em seu
livro Coesão e coerência textuais, o ritmo é um elemento importante na formação
do texto. “A duração relativa das sílabas está ligada, de um lado, à
posição das pausas, acentos e entoação; de outro, a mudança do tempo pode
constituir por si só uma função delimitadora ou de realce” (1995, p. 30).
Para entendermos melhor a função do ritmo na obtenção da coesão, devemos
observar a sucessão de movimentos que se estabelecem no jogo textual.
Assim, vejamos o poema simbolista:
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...... .. - . ..... . ... ...........

(3)
A E I O U
Manhã de primavera. Quem não pensa
Em doce amor, e quem não amará?
Começo a vida. A luz do céu é imensa...
A adolescência é toda sonhos. A.

O luar erra nas almas. Continua
O mesmo sonho de oiro, a mesma fé.
Olhos que vemos sob a luz da lua...
A mocidade é toda lírios. E.

Descamba o sol nas púrpuras do ocaso
As rosas morrem. Como é triste aqui!
O fado incerto, os vendavais do acaso...
Marulha o pranto pelas faces. I.

A noite tomba. O outono chega. As flores
Penderam murchas. Tudo, tudo é pó.
Não mais beijos de amor, não mais amores...
Ó sons de sinos a finados! O.

Abre-se a cova. Lutelenta e lenta,
A morte vem. Consoladora és tu!
Sudários rotos na mansão poeirenta...
Crânios e tíbias de defunto. U.

(Guimaraens, Alphonsus de. Obra completa. Rio de Janeiro: Aguilar,
1960, p. 506)
 No poema o autor emprega as vogais, que dão título ao texto, para encerrar
cada uma das estrofes. Entretanto, essas vogais servem não só para efeito
de rima, como também para revelar valores simbólicos em relação às fases da
vida do homem descritas em segmento.
Os recursos de motivação sonora – por exemplo, assonâncias, aliterações,
ritmo, rima – auxiliam no estabelecimento da coesão, fazendo o texto progredir
de maneira especial. Leia o texto:
(4)
Relógio
As coisa são
As coisas vêm
As coisas vão
As coisas
Vão e vêm
Não em vão
As horas
Vão e vêm
Não em vão

(Andrade, Oswald de. Trechos escolhidos. Rio de Janeiro: Agir, 1967,
p. 41)
Neste texto, a linguagem é organizada de tal modo que transforma o caráter
linear da sintaxe verbal e recupera analogicamente as qualidades físicas,

..


...... ..........

sensíveis do objeto descrito. O movimento da ida e vinda das palavras (sonoridade)
no seu campo de relações (umas com as outras) acaba sugerindo o
movimento pendular do relógio. A descrição feita pelo poeta não disseca o
relógio em seus componentes, mas flagra uma estrutura cíclica à maneira do
movimento cíclico do tempo (relógio).
Usando recursos modernos da propaganda, o texto (5) – criado em 1957
pelo poeta Décio Pignatari – já é considerado um clássico da poesia concreta.
Nele, há a crítica ao produto e também à estratégia persuasiva usada nos anúncios
que divulgam esse produto. Assim, a partir do slogan “Beba Coca-Cola”,
o poeta elabora permutações intencionais e obtém uma anti-propaganda que
denuncia o domínio de uma fórmula sobre as massas. Cabe destacar que a
ironia é a chave para compreender o poema.
(5)
beba coca cola
babe cola
beba coca babe cola caco
caco
cola

 cloaca
(Poesia Pois É Poesia. Concreta. São Paulo: Duas Cidades, 1977, 113).
Segundo os críticos literários, esse texto é um exemplo significativo de
poesia participante num momento em que a forma é rigorosa e essencial para
a estética.
Atividades
1. Leia o texto colocado abaixo de autoria do poeta Augusto de Campos:
pluvial / fluvial
 p
p l
p l u
p l u v
 p l u v i
p l u v i a
f l u v i a l
f l u v i a l
f l u v i a l
f l u v i a l
f l u v i a l
f l u v i a l

(In: Antologia da literatura brasileira. Antonio Medina Rodrigues et. al.
São Paulo: Marco Editorial, 1979, vol. II, p. 350)
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...... .. - . ..... . ... ...........
2. Partindo da idéia de que, em poesia, o som se acha sempre associado ao
sentido, registre algumas sensações provocadas pelo texto.
3. Esse poema concreto é formado pela disposição reiterada dos adjetivos
pluvial (de chuva) e fluvial (de rio). O primeiro escrito na vertical e o segundo,
na horizontal. Dê sua impressão visual sugerida pelo poema.
SUGESTÕES DE LEITURA
Como já foi dito nos módulos anteriores, é importante que você leia constantemente
jornais e/ou revistas para manter-se atualizado. Também é necessário
ler as obras básicas da literatura nacional e internacional para poder refletir
sobre o trabalho com os textos, sua construção e organização de sentido.
Se você deseja ler livros e não tem tempo de ir à biblioteca, pode consultar
os sites de bibliotecas virtuais; neles você encontrará textos completos de livros
de diversos autores indicados para os principais vestibulares do país:
www.bibvirt.futuro.usp.br (neste site você pode consultar as principais obras
indicadas no vestibular da Fuvest);
www.uol.com.br/cultivox (aqui você encontra mais de 300 e-livros – livros
eletrônicos – grátis);
www.bibliotecavirtual.org.br (site da biblioteca virtual da UFBA).
http://sites.uol.com.br/fredb (Leituras na Rede é o site criado pelo escritor e
professor Federico Barbosa; nele você pode ler a edição integral de
algumas das obras fundamentais das literaturas brasileira e portuguesa)
Para saber mais sobre Graciliano Ramos, autor que utilizamos em um dos
textos desta unidade, consulte os seguintes livros:
MORAES, Denis de. O velho Graça. Rio de Janeiro: José Olympio, 1992.
RAMOS, Clara. Mestre Graciliano. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.
LIMA, Valdemar de. Graciliano Ramos em Palmeira dos Índios. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.
LIMA, Mário Hélio Gomes de (org.) Relatórios. Recife: Record, 1994.
Você ainda pode navegar pelo site www.graciliano.com.br produzido pela
família do escritor. Nele encontrará notícias sobre sua obra, manuscritos, álbum
de família etc.
Para obter mais informações sobre poesia concreta, leia “Poesia Concreta”
– seleção de textos notas, estudos biográfico, histórico e crítico e exercícios
por Iumna Maria Simon e Vinicius de Ávila Dantas (orgs.). Literatura Comentada.
São Paulo: Abril, 1982.
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...... ..........
Para conhecer mais sobre coesão e coerência textuais, consulte os seguin

tes livros:
FÁVERO, Leonor Lopes. Coesão e coerência textuais. 3.ed. São Paulo:
Ática (série princípios), 1995.
FIORIN, José Luiz e SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto:
leitura e redação. São Paulo: Ática, 1990.
FIORIN, José Luiz e SAVIOLI, Francisco Platão. Lições de texto: leitura e
redação. São Paulo: Ática, 1996.
KOCH, Ingedore G. V. A coesão textual. São Paulo: Contexto, 1989.
KOCH, Ingedore G. V. A coerência textual. São Paulo: Contexto, 1990.
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Unidade 2
Discurso reportado (citação):
discurso direto, indireto e indireto livre
Unidade 2
Discurso reportado (citação):
discurso direto, indireto e indireto livre
Ao construir um texto, você pode mostrar a presença de outras vozes,
trazendo para a cena e demarcando lugares e limites; pode ainda deixá-las
implícitas, por conta da memória do leitor. Entretanto, para escolher dentre as
várias possibilidades que a língua oferece, é preciso conhecer um pouco cada
um desses recursos lingüísticos.
Num texto narrativo, entram em cena personagens que dialogam entre si,
manifestando seu discurso. Nesta unidade, vamos estudar os recursos que o
narrador pode utilizar para reproduzir o discurso de tais personagens, ou seja,
como ele insere na narrativa a fala que não lhe pertence.
Basicamente, há três recursos para citar o discurso do outro: discurso direto,
discurso indireto e discurso indireto livre. Vejamos cada um deles:
DISCURSO DIRETO
As histórias em quadrinhos e as charges usam, freqüentemente, o discurso
direto. Nesse gênero textual, a fala de cada personagem é associada diretamente
à sua imagem, permitindo ao leitor apreender as diversas vozes mostradas
no texto.
(1)
Rato de Sebo
® Custódio
Organizadores
Maria Lúcia V. de
Oliveira Andrade
Neide Luzia de
Rezende
Valdir Heitor
Barzotto
Elaboradora
Maria Lúcia V. de
Oliveira Andrade
Nesta tirinha, o narrador-personagem conta a sua história em 1a pessoa,
mas no momento em que instaura outra personagem, o anjo torto, o narrador
passa a palavra para essa personagem, afastando-se da cena. Nos quadrinhos,
o recurso usado é o balão, que contém a fala literal da personagem: “Vai ser
rato de sebo na vida!” ou “ Você bem que podia ajudar, né???”.

...... ..........
Observemos, agora, como se dá o uso desse recurso em uma narrativa
literária:
(2)
Governar
Os garotos da rua resolveram brincar de Governo, escolheram o Presidente
e pediram-lhe que governasse para o bem de todos.
– Pois não – aceitou Martim. – Daqui por diante vocês farão meus
exercícios escolares e eu assino. Clóvis e mais dois de vocês formarão a
minha segurança. Januário será meu Ministro da Fazenda e pagará meu
lanche.
– Com que dinheiro? – atalhou Januário.
– Cada um de vocês contribuirá com um cruzeiro por dia para a
caixinha do Governo.
– E que é que nos lucramos com isso? – perguntaram em coro.
– Lucram a certeza de que têm um bom Presidente. Eu separo as
brigas, distribuo as tarefas, trato de igual para igual com os professores.
Vocês obedecem, democraticamente.
– Assim não vale. O Presidente deve ser nosso servidor, ou pelo
menos saber que todos somos iguais a ele. Queremos vantagens.
– Eu sou o Presidente e não posso ser igual a vocês, que são presididos.
Se exigirem coisas de mim, serão multados e perderão o direito de
participar da minha comitiva nas festas. Pensam que ser Presidente é
moleza? Já estou sentido como este cargo é cheio de espinhos.
Foi deposto, e dissolvida a República.
(Andrade, Carlos Drummond de. Contos plausíveis. Rio de Janeiro:
José Olympio, 1985, p. 83).
Levando em conta os dados que nos interessam, podemos destacar que o
narrador observador, em 3a pessoa, introduz o conto revelando que os garotos
envolvidos na narrativa resolveram brincar de Governo. A personagem, Martim,
aceita ser o Presidente e impõe suas condições. A seguir, Januário questiona
com que dinheiro pagará o lanche do Presidente. As demais falas seguem a
mesma perspectiva: os garotos perguntam sobre suas dúvidas em relação ao
Governo e Martim vai respondendo a cada um.
Ao ler toda a história, você pode constatar que o narrador reproduz a fala
das personagens através das próprias palavras proferidas por eles. Tudo se
passa como se nós, leitores, estivéssemos ouvindo a conversa dessas personagens,
ou seja, como se estivéssemos em contato direto com elas. Exatamente
por criar esse efeito é que esse tipo de discurso é denominado discurso direto.
Esse discurso apresenta algumas marcas importantes:
a.
a fala da personagem é acompanhada de um verbo que explica ou anuncia
quem fez uso da palavra (“aceitou Martim”, “atalhou Januário”, “perguntaram
em coro”). Esses verbos são denominados verbos dicendi ou
verbos de dizer (dizer, responder, perguntar, afirmar, retrucar e outros com
as mesmas características).
b.
de modo geral, antes da fala de cada personagem usa-se travessão. Se o
verbo de dizer for usado antes do discurso direto, usa-se dois pontos. Por
exemplo:
..


...... .. - . ..... . ... ...........

Os garotos perguntaram em coro:
– E que é que nos lucramos com isso?
c.
o tempo verbal, os pronomes e as palavras dependentes da situação são
usadas literalmente, pois são elementos determinados pelo contexto em
que se inscreve a personagem que está com a palavra: a personagem usa a
1a pessoa; para interagir com o interlocutor, usa a 2a pessoa; os tempos
verbais são ordenados em relação ao momento da fala (eu/tu-aqui-agora).
DISCURSO INDIRETO
Observando um pequeno fragmento do romance Helena de Machado de
Assis, vejamos agora outro procedimento para citar a fala de uma personagem,
o chamado discurso indireto:
(3)
(...) [Estácio] Cercou-a [Helena] de cuidados, buscou distraí-la, pediu-
lhe que fosse repousar um instante. Para justificar a explicação que
dera, Helena obedeceu às instruções do irmão. Este foi encerrar-se no
gabinete, onde se ocupou a examinar e colecionar alguns papéis.
(In: Obra Completa. Vol. I – Romance. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,
1979, p. 324).
Para citar a fala da personagem Estácio, o narrador não reproduz literalmente
a fala dessa personagem, mas emprega suas palavras de narrador para
comunicar o que Estácio pediu a sua irmã Helena. A fala de Estácio chega ao
leitor de maneira indireta, isto é, pelas palavras do narrador; por isso tal recurso
lingüístico denomina-se discurso indireto.
O discurso indireto apresenta algumas características básicas:
a.
vem introduzido por um verbo de dizer;
b.
vem separado da fala do narrador por uma partícula introdutória, normalmente
a conjunção que ou se, e não por sinais de pontuação. No fragmento
citado, temos: pediu-lhe que fosse repousar;
c.
o tempo verbal, os pronomes e as palavras dependentes da situação são
determinados pelo contexto em que se inscreve o narrador e não a personagem:
o verbo ocorre na 3a pessoa, o tempo verbal correlaciona-se com
o tempo em que se situa o narrador, e o mesmo ocorre com os demais
recursos lingüísticos de situação (advérbios, pronomes etc.).
Confrontemos o discurso direto com o indireto.
Discurso direto:
O pai chamou o filho e perguntou:

– Quem quebrou este vidro, meu filho?
Discurso indireto:
O pai chamou o filho e perguntou-lhe quem havia quebrado aquele vidro.
É importante notar, ainda, que na conversão do discurso direto para o
indireto, as frases interrogativas, exclamativas e imperativas passam todas para
a forma declarativa.

..


...... ..........

DISCURSO INDIRETO LIVRE
Vejamos um fragmento de “Cadeia”, o terceiro capítulo do romance Vidas
Secas de Graciliano Ramos, em que o narrador revela que a personagem
Fabiano havia ido à cidade para comprar mantimentos, enquanto a mulher –
Sinhá Vitória –, os filhos e a cachorra Baleia haviam ficado em casa. Depois
de fazer algumas compras, Fabiano foi beber pinga. Quando estava na bodega
de seu Inácio, chegou um “soldado amarelo” e o obrigou a “jogar um trinta-eum”.
Fabiano perdeu e saiu furioso da sala de jogo. Enquanto matutava sobre
o ocorrido debaixo de um pé de jatobá, ressurge o provocador – o soldado
amarelo – que insulta Fabiano e prende-o. Na cadeia, Fabiano leva uma surra
e é trancafiado na companhia de um bêbado e de outros homens que tinham
feito uma fogueira “que enchia o cárcere de fumaça”:
Fabiano cochilava, a cabeça pesada inclinava-se para o peito e levantava-
se. (...)
Acordou sobressaltado. Pois não estava misturando as pessoas, desatinando?
Talvez fosse efeito da cachaça. Não era: tinha bebido um
copo, um tanto assim, quatro dedos. Se lhe dessem tempo, contaria o
que se passara.
Ouviu o falatório desconexo do bêbado, caiu numa indecisão dolorosa.
Ele também dizia palavras sem sentido, conversava à toa. Mas
irou-se com a comparação, deu marradas na parede. Era bruto, sim senhor,
nunca havia aprendido, não sabia explicar-se. Estava preso por
isso? Como era? Então mete-se um homem na cadeia porque ele não
sabe falar direito? Que mal fazia a brutalidade dele? Vivia trabalhando
como um escravo. Desentupia o bebedouro, consertava as cercas, curava
os animais – aproveitara um casco de fazenda sem valor. Tudo em
ordem, podiam ver. Tinha culpa de ser bruto? Quem tinha culpa?
(in Vidas Secas. 53.ed. Rio de Janeiro: Record, 1984, p. 35-36).
Nesse fragmento, não há indicadores muito evidentes dos limites entre a
fala do narrador em 3a pessoa (narrador onisciente) e a fala da personagem
Fabiano. Trata-se, na verdade, de um texto em que predomina o discurso indireto
livre, ou seja, a representação da fala interior da personagem diretamente
inserida na linguagem do narrador.
Após uma breve introdução (“Acordou sobressaltado”), o leitor – guiado
pelo narrador – já se encontra dentro da consciência de Fabiano e começa a
“ouvir” o que a personagem “fala” interiormente, na medida em que as idéias
vão surgindo.
Para esclarecer melhor, confrontemos um enunciado retirado do texto (em
discurso indireto livre) com os correspondentes em discurso direto e indireto.
Discurso indireto livre
Acordou sobressaltado. Pois não estava misturando as pessoas, desatinando?
Discurso direto
Fabiano acordou sobressaltado e começou a pensar: Pois não estava
misturando as pessoas, desatinando?
..


...... .. - . ..... . ... ...........

Discurso indireto
Fabiano acordou sobressaltado e começou a pensar que poderia estar
misturando as pessoas, desatinando.
A partir dos exemplos, você pode notar que o discurso indireto livre cor-
responde a uma espécie de discurso indireto do qual foram excluídos os verbos
de dizer, que servem para anunciar a fala das personagens, e a partícula
introdutória (que, se). No fragmento do capítulo “Cadeia”, predominam as
formas verbais do pretérito imperfeito do indicativo, na 3a pessoa do singular.
Cabe lembrar que o pretérito imperfeito do indicativo sempre foi o mais adequado
às descrições e narrativas. Seu efeito principal é transportar o leitor a
uma época passada e descrever o que então era presente. O pretérito perfeito
do indicativo aparece em dois momentos importantes, apenas dentro da linguagem
do narrador: quando se descreve a personagem em “close-up”, preparando
a abordagem de sua consciência (“Acordou sobressaltado”), e quando
após o trecho em discurso indireto livre o narrador retoma a sua própria
linguagem para acrescentar novas informações (“Ouviu o falatório”).
Outro ponto a destacar é que no discurso indireto livre as ordens, súplicas,
pedidos, perguntas são conservados nas formas imperativa e interrogativa.
Nele, destacam-se os elementos expressivos, as exclamações, interjeições etc.
Atividades
1. Transforme os trechos que estão elaborados em discurso indireto para discurso
direto, e depois explique os recursos lingüísticos empregados:
a. Paulo balançou a cabeça e respondeu que não tinha a mínima idéia.
b. Ana concordou que era a melhor solução.
c. Quando o gerente chegou, perguntou ao segurança quem havia quebrado
a vidraça.
2. O trecho abaixo, extraído do romance Vidas Secas, apresenta um segmento
em discurso indireto livre. Identifique-o e, a seguir, construa esse mesmo fragmento
em discurso direto e depois em discurso indireto.
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...... ..........
Baleia encostava a cabecinha fatigada na pedra. A pedra estava fria,
certamente sinhá Vitória tinha deixado o fogo apagar-se muito cedo.
Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E
lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se esponjariam
com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme.
O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos enormes. (p.91)
3. Leia o cartum criado por Quino, na página seguinte. Observe que o discurso
reportado (citação) é usado para reforçar as nossas próprias idéias, mas
pode substituir as palavras quando não se tem nada a dizer, como ocorre nesse
texto. A seguir, crie um texto em que você possa utilizar as falas das personagens
retratadas pelo cartunista.
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Fonte: Quino. Artes e partes. Lisboa: Dom Quixote, 1982.
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SUGESTÕES DE LEITURA
Se você deseja conhecer outras obras de literatura em que os autores empregam
o discurso indireto livre, pode escolher, por exemplo, textos de Machado
de Assis, Aluísio de Azevedo, Raul Pompéia, José Lins do Rego, Guimarães
Rosa, entre outros. Como sugestão, indicamos o romance João Miguel
de Raquel de Queiroz, publicado em 1932.
Para saber mais sobre histórias em quadrinhos, leia o livro Como usar as
histórias em quadrinhos em sala de aula de Alexandre Barbosa, Paulo Ramos,
Túlio Vilela, Ângela Rama e Waldomiro Vergueiro. São Paulo: Contexto,
2004.
Ainda sobre quadrinhos, visite os seguintes sites:
www.fabricadequadrinhos.com.br
www.custodio.net
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Unidade 3
Níveis de significação do texto:
significação explícita, significação implícita,
denotação e conotação
Unidade 3
Níveis de significação do texto:
significação explícita, significação implícita,
denotação e conotação
Em muitos discursos, como o literário e o humorístico, significados paralelos
sobrepõem-se ao significado denotativo de um termo – também conhecido
como sentido básico, “literal” ou “de dicionário”. Pode-se dizer que,
devido a uma estratégia de construção textual, cria-se um efeito de sentido
chamado, nesse caso, de sentido conotativo.
Geralmente, os textos denotativos não empregam palavras às quais possam
ser atribuídos múltiplos sentidos, isto é, evitam termos polissêmicos (termos
com várias significações, como “a cabeça do alfinete”; “o cabeça do
grupo”; “dor de cabeça”). Quando isso não é possível, estabelecem orientações
que delimitam o sentido textual por meio do contexto.
Por outro lado, os textos conotativos utilizam intensamente termos polissêmicos
ou construções ambíguas, e devem ser lidos a partir dos vários sentidos
que as palavras evocam. Nesse tipo de texto, o que importa não é tanto o
seu sentido evidente, mas a sua capacidade de sugerir e criar efeitos de sentido
múltiplos.
Vejamos a tirinha. Abaixo:
(1)
Organizadores
Maria Lúcia V. de
Oliveira Andrade
Neide Luzia de
Rezende
Valdir Heitor
Barzotto
Elaboradora
Maria Lúcia V. de
Oliveira Andrade
A graça desse texto pode ser explicada pelo jogo de palavras construído
pelo enunciador. Ela resulta do duplo sentido que a palavra chato adquire no
contexto. O adjetivo chato, relacionado ao formato do planeta na região polar,
significa plano, achatado, sem relevo. Entretanto, quando referido à situação
(atmosfera ou clima psicológico) do planeta nos domingos sem futebol,
expressa a idéia de aborrecido, tedioso, maçante.
Esse jogo de linguagem que instaura o humor está relacionado a um uso
da linguagem. No sentido denotativo ou literal, o termo chato significa plano,

...... ..........
mas no uso conotativo ou figurado, principalmente empregado na variante
popular ou informal da língua, carrega a idéia de maçante, tedioso.
Os textos publicitários se utilizam muito da ambigüidade de sentido para
chamar a atenção do leitor. Observe o exemplo:

(Texto publicado no Guia da Folha de S. Paulo, de 13 a 19 de agosto de
2004, contracapa).
A palavra câmbio, neste anúncio, apresenta duplicidade de sentido:
a.
câmbio (substantivo derivado do verbo cambiar) significa troca ou permuta
de moeda estrangeira;
b.
câmbio de automóvel: alavanca que serve para trocar a marcha do veículo,
fazendo-o andar.
Como o assunto economia é complexo, o jornal Folha de S. Paulo busca,
com o anúncio, divulgar o caderno de economia “Folha Dinheiro” por meio
de uma linguagem simples, visando a tirar desse tema a carga que todo brasileiro
lhe dá de ser muito específico e que só pode ser compreendido pelos
indivíduos que têm conhecimento da área. Para isso, introduz o enunciado
com uma comparação: “Economia é como carro”, e a partir daí pode usar a
palavra câmbio e instaurar no texto o seu sentido, baseado também na duplicidade
de “para frente e para trás” em termos de espaço físico e de “espaço”
em relação a desenvolvimento.
Atividades
1. Leia a charge colocada a seguir, retirada do jornal Folha de S. Paulo, em
11/04/2004, 1o caderno, página 2, na seção intitulada “Opinião”. Para compreender
o significado desse texto, é preciso analisar a situação discursiva,
observando quem são as personagens representadas nessa caricatura. Ou seja,
você precisa relacionar o que está ocorrendo no quadro representado e o que
de fato acontece no contexto sócio-hitórico do leitor do referido jornal. A
seguir, procure explicar o jogo de palavras que cria o humor dessa charge.
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2. Vejamos os poemas:
Lâmina
Leio no brilho do teu olho
Meu corpo – dado como morto –
Re-nascido.

Escrevo na folha do teu corpo
Meu nome – antes sem voz nem paz –
Re-citado.

Calado e inteiro ao teu lado
Te ofereço a face
Te estendo a mão
E estou ao alcance da tua alma.

Calma, eu posso te ver em mim
E me ver em ti:
Corpo e Alma:
Reflexos, ecos, pedaços completos:
Amor.

(Bedani, Sílvio. Quadrívio. São Paulo: Plêiade, 1997, p. 25.)

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Nome
algo é o nome do homem
coisa é o nome do homem
homem é o nome do cara
isso é o nome da coisa
cara é o nome do rosto
fome é o nome do moço
homem é o nome do troço
osso é o nome do fóssil
corpo é o nome do morto
homem é o nome do outro

(Antunes, Arnaldo. Na virada do século – Poesia de Invenção no Brasil.
São Paulo: ETCetera, 2002, p. 69)
Procure explicar o efeito de sentido produzido pelas escolhas lexicais feitas
pelos autores de cada texto, relacionando com o título dos poemas.
SUGESTÕES DE LEITURA
Para saber mais sobre denotação e conotação, leia os capítulos referentes
a esse tema e também ao uso do sentido figurado por meio de construções
metafóricas e metonímicas no livro Para entender o texto: leitura e redação de
José Luiz Fiorin e Francisco Savioli Platão, publicado pela Ática, em 1990.
Procure ouvir um CD de Itamar Assumpção, pretobrás – por que eu não
pensei nisso antes..., cujas letras apresentam um redimensionamento polissêmico
das palavras. Segundo os críticos, as músicas são de excelente qualidade,
o humor é ácido e inteligente, há trocadilhos e jogos de linguagem, que
fazem com que as letras mereçam ser ouvidas com bastante atenção. Consulte
o site www.atracao.com.br e saiba mais sobre a obra.
Leia mais sobre a atividade da escrita revelada, de modo significativo,
neste depoimento de Graciliano Ramos:
Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas
fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a
roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no
novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma,
duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando
a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais
uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota.
..


...... .. - . ..... . ... ...........
Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada
na corda ou no varal, para secar.
Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra
não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita
para dizer.
(Graciliano Ramos, em entrevista concedida em 1948)

..


Unidade 4
Intertextualidade
Unidade 4
Intertextualidade
Organizadores
Maria Lúcia V. de
Oliveira Andrade
Neide Luzia de
Rezende
Valdir Heitor
Barzotto
Elaboradora
Maria Lúcia V. de
Oliveira Andrade
O termo intertextualidade é usado para significar que há uma relação entre
textos, ou seja, tudo aquilo que é dito, expresso por um falante ou por um
enunciador não pertence somente a ele, na medida em que em um discurso
são percebidas outras “vozes” que podem ser identificadas ou não, distantes
ou anônimas, impessoais ou mesmo imperceptíveis que ecoam durante o processo
de produção. Esta noção de “vozes” nos auxilia a compreender a intertextualidade
como a propriedade que têm os textos de apresentar, de modo
explícito ou não, a presença de outros textos e, valendo-se desse fator de
organização textual, gerar o sentido pretendido.
Cabe ainda destacar que o termo intertextualidade foi proposto por Júlia
Kristeva, na década de 60, para designar o processo por meio do qual o texto
se constrói; sendo todo texto “absorção e rejeição de outro texto”. Essa definição
leva outra lingüista, a professora Eni Orlandi, em 1983, a estabelecer a
noção de incompletude, isto é, todo texto é necessariamente incompleto, dada
sua relação com outros textos e com o conhecimento de mundo do alocutário
(leitor / ouvinte).
Na unidade 2, trabalhamos com uma tirinha de “Rato de Sebo” em que o
enunciador faz uso da intertextualidade para construir o seu texto e criar a
ironia. O enunciador apresenta a narrativa, em 1a pessoa, com as seguintes
palavras: “Quando nasci veio um anjo torto e disse....”. A seguir, temos a voz
do próprio anjo em discurso direto: “Vá ser rato de sebo na vida”. Para um
leitor que tenha um conhecimento enciclopédico (também denominado conhecimento
de mundo, que pode ser adquirido por meio de leitura e estudo
ou de modo informal) a respeito da literatura brasileira, vai reconhecer de
imediato a relação com um outro texto: o poema intitulado “Poema de sete
faces” de Carlos Drummond de Andrade, que integra a obra Alguma Poesia.
Nesse poema, podemos ler na primeira estrofe:
(1)
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche1 na vida.
A expressão anjo torto empregado no poema conota para o termo anjo
um efeito divergente do seu significado original de “ser celestial repleto de
bondade e protetor dos humanos”, e esse sentido é reforçado pelo verso “desses
que vivem na sombra”, que contraria a idéia de que os anjos vivem na
1. Adjetivo francês que significa “sem jeito”.

...... .. - . ..... . ... ...........
“luz” e são “seres iluminados”, já que a sombra – ou as trevas – seria o lugar
daqueles que não são bons, ou seja, os anjos caídos.
Entretanto, na tirinha o termo anjo é empregado em seu sentido denotativo;
o anjo é torto, ou seja, “não é reto, é curvado” e isso somente é comprovado
no último quadrinho: o anjo é torto porque carrega livros pesados.
A ironia instaurada na tirinha é provocada pela descoberta do segredo do
anjo, e não de suas palavras, como seria de se supor, fazendo a relação com os
versos de Drummond; ou seja, o que importa é saber o porquê de o anjo ser
torto. O leitor que estabelece essa relação intertextual consegue um grau de
compreensão maior, fazendo uma leitura mais profunda do texto.
É importante lembrar as palavras de Roland Barthes, estudioso francês
que em 1974 afirmou: “Todo texto é um intertexto; outros textos estão presentes
nele, em diversos níveis, sob formas mais ou menos reconhecíveis”.
Além dessa intertextualidade, presente em todo e qualquer texto, pode-se
falar, ainda, da intertextualidade em sentido estrito: a das citações, referências,
discurso relatado, retomadas. Constituem também exemplos a intertextualidade
que aparece na paráfrase (um texto B restaura, total ou parcialmente, o
conteúdo do texto A, por exemplo as Fábulas de La Fontaine) e na paródia
(um texto B apresenta uma imagem invertida do texto A, por exemplo: Fábulas
Fabulosas de Millôr Fernandes). Nestes casos, o leitor necessita de um
repertório que o habilite a identificar os textos superpostos.
Vejamos a letra da música “Os argonautas” de Caetano Veloso, produzida
em 1969.

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(2)
Os argonautas
o barco
meu coração
não agüenta
tanta tormenta
alegria
meu coração
não contenta
o dia
o marco
meu coração
o porto
não
navegar é preciso
viver não é preciso
o barco
noite no teu tão bonito
sorriso solto perdido
horizonte
madrugada
o riso
o arco
da madrugada
o porto
nada
navegar é preciso
viver não é preciso
o barco
o automóvel brilhante
o trilho solto o barulho
do meu dente em tua veia
o sangue o charco barulho lento
o porto
o silêncio
navegar é preciso
viver não é preciso
navegar é preciso
viver
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(in: Literatura Comentada. Seleção de textos, notas, estudos biográficos,
históricos e críticos por Paulo Franchetti e Alcyr Pécora. São Paulo:
Abril, 1981, p. 56-57)
Segundo os organizadores do volume sobre Caetano Veloso, publicado na
obra Literatura Comentada, o compositor revela certo gosto pela “construção
de versos a partir da correlação entre palavras ou conjuntos de palavras que,
usualmente, não são empregadas lado a lado” (p.43). Ainda para esses estudiosos,
a disposição gráfica em que o poema foi colocado não é a única possível,
na medida em que a própria escolha já indica certa orientação para um
tipo de leitura; entretanto, essa disposição está baseada na maneira como o
poema é cantado pelo próprio compositor na versão de 1969.
Ao ler o texto, observamos que com os versos “navegar é preciso / viver
não é preciso” o enunciador faz menção aos navegadores antigos e, certamente,
ao texto “Palavras de Pórtico” escrito pelo poeta Fernando Pessoa, que
diz o seguinte:
Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: “Navegar é preciso;

viver não é preciso”.
Quero para mim o espírito desta frase, transformada a forma para a
casar com o que eu sou: Viver não é necessário; o que é necessário é
criar.

Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la
grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a
lenha desse fogo.

Só quero torná-la de toda a humanidade; ainda que para isso tenha de a

perder como minha.
Cada vez mais assim penso. Cada vez mais ponho na essência anímica
do meu sangue o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir
para a evolução da humanidade.

É a forma que em mim tomou o misticismo de nossa Raça.
(in: Pessoa, Fernando. Obra Poética. 6a.ed. Rio de Janeiro: Editora Nova
Aguilar, 1976, p. 15)

A relação intertextual estabelecida permite compreender o texto de maneira
mais eficaz e faz o leitor criar um outro olhar para os versos do poeta Caetano
Veloso, encontrando talvez a dimensão do domínio que ele tem das palavras.
Atividades
1. Leia a letra da música “Bom Conselho” de Chico Buarque de Holanda.
Você perceberá que o texto é feito com provérbios ou ditados populares, só
que eles aparecem invertidos. Faça um levantamento desses provérbios espalhados
pelo texto e tente reconstruí-los em sua forma original.
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Bom Conselho
Ouça um bom conselho
Que lhe dou de graça
Inútil dormir
Que a dor não passa
Espere sentado
Ou você se cansa
Está provado
Quem espera nunca alcança
Ouça, meu amigo
Deixe esse regaço
Brinque com o meu fogo
Venha se queimar
Faça como eu digo
Faça como eu faço
Aja duas vezes antes de pensar
Corro atrás do tempo
Vim de não sei onde
Devagar é que
Não se vai longe
Eu semeio o vento
Na minha cidade
Vou pra rua e bebo a tempestade
2. Ainda em relação ao texto anterior, busque refletir sobre o significado da
utilização do provérbio, que pode ser considerado uma espécie de “clichê ou
chavão de pensamento”. Quem o utiliza? Para que serve? Ou em que situação
ele é empregado? O que representa a “sabedoria proverbial”?
3. Você consegue estabelecer alguma correspondência entre o provérbio e a
estrutura social? De modo geral, em que tipo de sociedade os provérbios são
utilizados? Qual o sentido da inversão dos ditados populares no texto de Chico
Buarque de Holanda?
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SUGESTÕES DE LEITURA
Para saber mais sobre escritores contemporâneos que fazem uso de estratégias
de construção textual como paráfrase e paródia, visite o site www.
releituras.com
Leia ainda o livro Fábulas Fabulosas de Millôr Fernandes, publicado pela
editora Nórdica, do Rio de Janeiro, 1963.
Pesquise sobre textos que estabelecem diálogos intertextuais entre si. Vale
a pena conferir:
a.
“Canção de Exílio” de Gonçalves Dias, in Presença da literatura brasileira:
das origens ao romantismo, obra organizada por José Aderaldo Castello
e Antonio Candido. São Paulo: Difel, 1974, p. 262.
b.
“Canto do Regresso à Pátria” de Oswald de Andrade, in Presença da literatura
brasileira: modernismo, obra organizada por José Aderaldo Castello
e Antonio Candido. São Paulo: Difel, 1977, p. 81.
c.
“Canção do Exílio” de Murilo Mendes, in Presença da literatura brasileira:
modernismo, obra organizada por José Aderaldo Castello e Antonio
Candido. São Paulo: Difel, 1977, p. 181.
d.
“Sabiá” de Tom Jobim e Chico Buarque, no site www.chicobuarque.com.br
Em relação ao “Poema das sete faces” de Carlos Drummond de Andrade –
in Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002, p.5 –, é interessante
que você o confronte com a canção “Até o fim” de Chico Buarque, escrita em
1978. Você poderá encontrá-la no endereço www.chicobuarque.com.br/letras/
ateofim_78.htm
Sobre a obra de Caetano Veloso, veja o site www.caetanoveloso.com.br
Bibliografia
FIORIN, José Luiz e SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto:
leitura e redação. São Paulo: Ática, 1990.
FIORIN, José Luiz e SAVIOLI, Francisco Platão. Lições de texto: leitura e
redação. São Paulo: Ática, 1996.
KOCH, Ingedore G. V. Introdução à Lingüística Textual: trajetória e grandes
temas. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática de usos do português. São
Paulo: Editora da UNESP, 2000.

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Sobre a autora
Profa. Dra. Maria Lúcia da Cunha Victório de
Oliveira Andrade
Doutora em Semiótica e Lingüística Geral, é professora de Filologia e Língua
Portuguesa da USP, autora de Relevância e contexto. São Paulo: Humanitas,
2001; e co-autora de Oralidade e Escrita: perspectivas para o ensino de língua
materna. São Paulo, Cortez, 1999.
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